Peito Vazio

Em mim me resta a fome
O saciar de todo homem
Como um amor

Enfim, eu já não sou
Tanto quanto antes
Como um Beija-flor

Se prego, dia após dia
A ti, uma euforia
Dou-lhe a mentira
Como quem já surtou

Se rego o plantio
De um jardim senil
Estou à deriva
Como quem se esquiva

Ponho tudo a perder
Porque já me perdi
Se hoje vou sofrer
É porque já estou no fim

Não venha me dizer
Se eu me arrependi
De matar a fome outrora
Com tudo o que já comi

Pois posso lhe garantir
Assim como a fome
O que eu como agora
Amanhã volto a pedir

Um amor que me desperte
A vontade de sentir

Pretérito Imperfeito

Tão meio termo, mas tão comum, mas tão normal. Sua mediocridade, motivo de orgulho. Seu medo do extremo, de tão extremo, um medo de si mesmo. Numa imagem padrão, dessas de porta-retrato, o seu espelho. E no espelho, nenhum retrato sequer da sua imagem padrão. Míseras palavras, ínfimos momentos. Muitos nãos para tão poucos sins. Tudo dos outros em vão, tampouco de si. Olhos acesos à multidão, apagados no despir. Imitação do caráter de outrem. Sem atitude, como um ninguém. Petrificado aos olhares da Medusa socionormativa. Tantos limites no agir, que - à escassez da sua persona em demasia - um único verbo presente no seu texto (tal qual ele mesmo, um pretérito imperfeito): inexistia.