Dorme filho à pedra fria
Tanto dorme que esquece de acordar
Vivia preso à maresia
E agora ao leito frio vem cochilar
O que será da armação desse menino
Se desde pequeno senta beira-mar
Canta o sono e vem sonhar
Pesca e dorme sem peixe catar
O que será da criação desse menino
Se nasceu sem voz nem zuvido
Nem o mais fino do zumbido
Há de ouvir ou de falar
O que será desse menino?
O que será?
Já muita gente veio a lhe visitar
Oferecendo erva-doce e vatapá
Queriam todos que o menino fosse
voltá'falar
Mas nem se zuvia um sequer zumbido
Por isso foi-se pouco querido
Ninguém lhe soube amar
Sem amor o menino chorou grunhindo
Mas nem mesmo lágrimas vinham a lhe molhar
Queria a Deus só um pedido:
Me dê voz e ouvido, quero poder falar
Por ironia do destino
Passou uma estrela negra no céu
E, atendendo ao seu pedido,
Deus lhe respondeu:
Levanta-te menino
Pois dormiste à vida inteira
E, deitado, não há como falar
Levanta-te e abrirei tua voz
Pois só há cordas vocais
Em quem acorda os pés
Anda, cria teu caminho
Faz teu próprio ninho
Então num brusco levantar
O menino pôs se a andar
E andou tanto,
que esqueceu de falar
Correu pelas corredeiras
Correu sob o mar
Cavalgou ao próprio quadril
E aprendeu a amar
A amar a si mesmo
Pois não basta ter voz para falar
Nem mesmo pernas para andar
Basta seguir o seu caminho
Sem medo de cair
Esta foi a história do menino
Que tinha medo de acordar
Mas por mudança do destino
Hoje tem medo de dormir