De avareza e ganância
Usufruo de postura
Com certeza relevância
Do quão sou, em natureza
Quando excluo opulência
Do idioma de fluência
Majestosa exuberância
Não és da minha cultura
Nunca foi-me uma beleza
Nem faz par à minha essência
por Danilo Freitas Souza
Com razão
Me despedaço
Sem vazão
Ao recomeço
Sou eu mesmo?
Ou fui embora
No que agora
Mal conheço
No abismo
Joguei fora
Tal a flora
Que esmoreço
Na solidão
Do meu cansaço
Perco um abraço
Traço o esboço
De um esforço
Em estilhaço
Da minha fé
Que pus outrora
Meu apreço
Que jus faço?
Rezo um terço
Já descalço?
Minha Senhora
Me conduz
Ao seu berço
Dá-me luz
Por onde passo
Minhas caminhadas diárias eram de lei. Todo santo dia eu ia, a qualquer hora. Pra onde não sei.
Caminhava até a orla, pra esquerda. Noutro momento, pra direita. E assim seguia. Na semana eu já tinha feito uns trinta quilômetros e nem sabia.
Mas de uma coisa eu sei. Bem lá na fachada da farmácia perto do restaurante chinês, um senhor havia. Ele era assim bem parecido com Raul Seixas, mas um tanto mirrado. E olhe que Raul já era meio mirrado (e birrado também). Mas esse senhor tinha o jeito contrário de Raul. Era calmo, sereno, humilde, simples. De poucas palavras, mas no bom sentido.
Pra mim, era um morador de rua. Estava quase sempre lá numa melancolia. Cabeça baixa. O bigode escondendo a boca. Sua expressão nua e crua como se não tivesse nada na memória a esconder de ninguém. E é aí que a história vem.
Logo na segunda ou terceira vez que o vi, dei-lhe um cigarro. Ele pegou com tamanha humildade e carência que eu disse “Tome logo dois”. Foi aí que, apois, ele abriu um singelo sorriso. Depois disso, toda vez quando eu passava por lá lhe dava dois cigarrinhos. Minha carteira sempre cheia. A dele nem existia. Mas isqueiro ele tinha. Como minhas caminhadas eram de lei, e ele estava lá quase todo dia, fui criando um laço.
A gente não falava nada. No máximo, eu dizia “Tudo bem”? E ele concordava com a cabeça, sem sequer dar a graça de sua voz. Foram manhãs, tardes e noites em que eu caminhava a qualquer hora. Pra onde, não sabia. Mas se passasse por lá, lá estava ele. Era só eu aprochegar e ele sorria. Seu sorriso singelo e sereno. Seus olhos humildes, com ar de quem já sofreu muito na vida e continua a sofrer. Mas, quem sou eu pra dizer? A gente nem sequer conversava pra saber.
A questão vem agora. O tempo ia passando e, cada vez mais, eu não o via. Demorou bastante pra chegar uma hora que ele estava lá, na mesma fachada da farmácia, do mesmo jeito. Deu-me até uma alegria. E eu nem sei por quê. Mas, novamente, abri a minha carteira e peguei dois cigarros. Entreguei na mão dele. A mesma sintonia. Só que nesse momento eu não sabia:
Foi ali nosso último dia.
Caminhei, caminhei. Nada. Nunca mais o vi. A todo momento que passo por lá, não mais o vejo. O ver era meu ensejo. Se eu soubesse que nunca mais o viria, teria dado minha carteira inteira. Todinha.
Olha que bobeira a minha. Achar que os cigarros eram o que nos unia. Que nada. Eu caminho porque tenho depressão. Faz parte do meu dia a dia. Não sei da história dele, porque ele nunca se abria. Mas sei que o que nos fazia sorrir um pro outro era a pura e simples atenção. Era o olhar e se entender. Era a ausência da agonia. Ou a presença da harmonia. A labuta do viver.
Nunca mais o vi desde então. Hoje, eu caminhei. Pra onde, não sei. Mas ao passar por lá, na fachada da farmácia, peguei minha carteira e dois cigarrinhos deixei. Até porque se, por acaso, ele ainda existir, nossa atenção um com o outro é de lei. Na minha cabeça construo a ideia de que um dia há de vir para nos reencontrarmos. Eu adoraria vê-lo de novo sorrir.
Tem coisas que a gente só aprende vivendo. Outras, nós morremos para aprender. Se um dia eu vê-lo, vocês vão ver: vou voltar rindo de alegria. E não será só pelo cigarrinho que dei. Será pela atenção. Pela simples e pura atenção e companhia que recebi e deixei.
Desço à rua só pra crescer
O que em mim foi renascer
Lei de um fim que desmontei
Sobre um reino sem um rei
A pele nua eu deixo ver
Cê acha o quê? Que eu não sei?
Sua mente crua tá tão na lua?
Tremo, fujo, escondo também
Mas a vontade de ser vai além
Do medo dum olhar de quem vê
Vaidade é, da idade, via ou vaia
Esse segundo, leigo sujo de maldade
Por isso eu desço a rua pra crescer
Numa exposição que não é sua
Então não se preocupe se estou bem
Porque a minha vontade de ser
Vai muito, mas muito mais, além
Do quão aquém era a verdade do meu viver
Lar de fora, faz da rua
Ora embora, ora agora
Hora afora vai-se embora.
Derradeira morte em vão
Que despeço-me então
Faço vil a sua ausência
Pela sua luminescência
Cai a noite e sigo em frente
Deixo este caminho e volto
Mas tampouco estou envolto
Já que sou tão diferente
Outra aurora diz-me outrora
Que afora foi-se embora
Deixou-me à hora tão confusa
Na raiz de outra vara
Mas, que pena, joguei fora
Quando vi tão firme tora
Tal como disse-me Cazuza
O tempo não para
Neste clichê tão óbvio
Faço questão de expressar
Que me atiro pro seu mar
Seu olhar me deixa imóvel
Seu sorriso tão amável
Faz meu corpo fraquejar
A relação que me impõe
Pude enfim compreender
Só de ti recebo um tanto
Mesmo que eu deixe em poucos
Pois os outros são os outros
Depois de você
Nunca esqueça da certeza
Que à sua nobre realeza
Serei sempre um cavaleiro
Mato e morro em nossa Guerra
Pois você, ó minha alteza
Conquistou-me por inteiro
Libertou-me desta cela
Desde lá em fevereiro
Ao notar com mais clareza
Sua interna e externa
Maravilha de beleza
Que me deixa tão cabreiro
Mal sei quem sou agora
Criei-me como alguém
Matei e joguei fora
A luz que em outrora
Fazia-me sentir bem
Maltrato com desdém
A vida que apavora
Ao fato de também
Ferir-me sem porém
Fugir sem ir embora
À noite eu perco a hora
Meu corpo em si ignora
Sinais que não intervêm
O luto então demora
O surto me devora
Eu curto há mais de cem
E o amor, que ironia
De verdade só piora
Mas trato com desdém
A dor que em mim mora
Destrato com desdém
Fui muito mais além
Isso que me apavora
Me faz perder a hora
E o tempo jogar fora
Foi muito mais além
Do medo que apavora
Da luz que vivo sem
A luz me ignora
O amor que jogo fora
Não mais em mim mora
Mal sei quem sou agora
Criei-me como alguém
A dor que em mim mora
Destrato com desdém
Fui muito mais além
Isso que me apavora
Me faz perder a hora
E o tempo jogar fora
E apago com desdém
A luz que jogo fora
Na dor que me devora
Despeço-me de outrora
fora, mora, chora, hora, apavora, demora, melhora, piora
bem, sem, intervém, além, cem, vem, porém, tem, amém, porém, ninguém, contém
Mal sei quem sou agora
Criei-me como alguém
A dor em mim devora
Foi muito mais além
Do medo que apavora
Da luz que vivo sem
Mal digo quem sou agora
A mim já desconheço
Segui por um vil atalho
Irrompi no que já sou falho
Ensinar-me este caminho
Onde sempre andei sozinho
E hoje já não reconheço
Mal vem a dor que me devora
Derrete em mim toda essa lágrima
Cedo ao chão sem que a hora
Me desperte em solidão
Me derrube sobre a dádiva
De pensar que houve outrora
Uma emoção ainda ávida
A vibrar meu coração
Mal que vem talvez pro bem
Deixa em mim a sua proposta
Levanta o corpo e me encosta
Nesta parede que lhe intervém
Que alguma luz nos venha à mostra
Iluminar o meu alguém
Esclarecer a minha aposta
Desdizer o meu desdém